Menina Maria José
Na semana passada, quando o cão e o gato se pegaram na esquina do barbeiro em frente da sua janela, eu reparei que trocou um sorriso com o António, o serralheiro. Eu sou o Manuel das Barbas e há muito tempo que venho a reparar em si. Sei sempre quando a posso ver à janela, porque é na hora em que o António passa na rua. Vejo os seus olhos a procurá-lo, a mirá-lo profundamente e a seguir-lhe os passos até desaparecer. Vejo a sua tristeza por, mais uma vez, ele nem dar pela sua presença, como faz todos os dias – menos no dia que já lhe falei, da bulha do cão e do gato.
Tenho inveja do António porque ele tem alguém que pensa nele e o parece estimar: a menina. A mim ninguém espera todos os dias para me ver passar, ninguém pensa em mim ainda que por poucos minutos, ninguém espera por um olhar ou um sorriso meu. O que eu não daria para que a sua vigília fosse por mim, os seus olhos me procurassem ao fundo da rua, me sorrissem ao passar, de mim se despedissem. Todos os dias. Ainda que não trocássemos palavras, eu seguiria feliz, sabendo que cabia no coração de alguém neste mundo, mesmo que por fugazes segundos ou minutos. E, quem sabe? Talvez um dia a menina deixasse cair a sua revista e eu pudesse parar para a devolver, murmurar um cumprimento, despedir-me com um «até amanhã».
Por debaixo destas barbas está um sorriso para si. Um sorriso que pode durar toda a vida. Se a menina quiser.
Respeitosamente
Manuel das Barbas
Conceição Brito
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