Pode fazer-se um poema com restos de outros poemas. Basta saber escolher
Pode fazer-se um poema com restos de outros poemas. Basta saber escolher. Poder pode, mas não é o
mesmo, e depois são tantos os poemas, como saber escolher?
Juvenal aposta num “Descalça vai para a fonte / Leonor pela verdura *”, mas até é um sortilégio pegar no Poema do nosso Poeta maior e acrescentar restos.
Instalado no divã cor de esperança à entrada do hotel, Juvenal entregava-se às incertezas dos seus devaneios literários e não só. Poema ou prosa?
Quando, num abrir e fechar de olhos a sua frente perfilava-se um poema. O acaso vinham ajudá-lo.
“Vai formosa e não segura *”
Ainda hoje, Juvenal vislumbra a silhueta da mulher em frente a porta envidraçada do hotel, e então o tempo pára como numa criança absorvida pela sua brincadeira.
“Leva na cabeça o pote/o texto nas mãos de prata/cinta de fina escarlate *”
O esbracejar dos lânguidos braços desnudados de Luana, volteavam pairando no ar, qual maestrina,
comandando a porta automática para que deslizasse sobre os caixilhos, mas esta não se abria. Abra-Canabrá, leu Juvenal as palavras dos lábios de Luana, mas a mágica da sua musa não funcionava, o acesso ao jardim do éden estava-lhe vedado.
“Sainho de chamalote/traz a vasquinha de cote/mais branca que a neve pura *”
Juvenal persegue o poema que não escolheu, desapega-se das palavras, desencontra-se perante a graciosidade do momento gravado no vácuo, pela imortalidade de um gesto, qual garça voando, fluindo no espaço.
“Vai formosa e não segura *”
Agora é ele que clama por um feitiço e brada aos quatros ventos: abra-te sésamo! e depois pronuncia
palavras inaudíveis, <<pudesse esse teu gesto, poema meu que vi, de mãos espalmadas de encontro a porta envidraçada do hotel, entreabrir outras portas enclausuradas, fechadas a sete chaves, a chave do coração>>.
“Descobre a touca a garganta/cabelos de ouro, o trançado/fita de cor encarnado/tão linda que o mundo
espanta *”
Sim! Eras tu, Poema meu, só tu, mãos que voam, dançam, e pareciam dizer adeus da porta de correr
envidraçada do hotel.
“Chove nela graça tanta/que dá graça a formosura/ vai formosa e não segura *”
* Luís Vaz de Camões
Vasco Patrício
Sem comentários:
Enviar um comentário